domingo, 23 de março de 2014

Eugene Boudin
 
Na história deste dia, mais uma vez retirada do livro Kiko e Gui, o pai da Gui tenta explicar-lhe a através dos sentidos como ela é bonita e diz que ela é preciosa.
O diálogo segue à volta do conceito do que é precioso, eles vão dando exemplos: brilha, é valioso, é um tesouro.
Tento aprofundar o texto e lanço uma questão provocadora: uma pessoa que não é bonita pode ser preciosa?
- Pode se não for má - D
- Os pais gostam sempre dos filhos - N
- Pode ser bonito por dentro - M
O que é ser bonito por dentro? pergunto
- Ser bonito por dentro é ter bom coração, ser amigo, não fazer mal a ninguém- G e D
- Ajudar os outros - T
- Pode ser feio por dentro? D
- O que é ser feio por dentro? pergunto
- Fazer mal, por exemplo: as pessoas estão em perigo e não ajudam - D (começam a dar exemplos mesmo sem eu pedir)
- Bater nos colegas - T
- Ser mal educado e não fazer paz - E (relacionam a paz)
- De que cor é um coração bom? Pergunto 
As resposta variam, mas optam sempre por cores claras e alegres: Vermelho, verde, azul claro...
- De que cor é um coração feio? pergunto
As resposta vão todas para as cores escuras: preto, roxo, cinzento, castanho...
dizem ainda: a amizade é verde e o medo é preto, muito escuro.
 
Foi uma aula animada, associar cores aos sentimentos foi valioso para que eles compreenderem como se pode ajudar a Gui e como forma de abrirem o seu leque de hipóteses e de ver o mundo. 


domingo, 9 de março de 2014

A diferença


Pieter Brugel

A propósito do livro Kiko e Gui, e explorando o facto da Gui ser cega, coloquei uma questão directamente. Normalmente gosto que sejam eles a indicar qual o tema a seguir, mas como ainda estávamos no início penso que o estimular o debate com perguntas os levaria mais depressa a aprofundar o diálogo.
Pergunta: Acham que um menino cego pode brincar?
Respostas:
- Não, porque não vê - T
- Não pode ver os brinquedos - C
- Se ajudarmos pode - B
- Se tiver óculos pode - G
Fazemos o jogo do telefone estragado (uma palavra que passa pelo grupo segredada ao ouvido)
Pergunto: Este jogo a Gui podia jogar?
- Sim - B e M
- À apanhada não podia - B
- Podia ouvir o som dos animais - R
- O jogo da batata quente - G
- O jogo das adivinhas e anedotas - C
...
Foi interessante porque as crianças que inicialmente achavam que a Gui não podia brincar, mudaram de ideias e o grupo passou a considerar que havia brincadeiras para a Gui. Este é o início da comunidade de investigação, quando por meio das diferentes opiniões os alunos corrigem a sua crença inicial.

 

domingo, 2 de março de 2014

P. Bonnard
 
A motivação é sempre um elemento importante para quem trabalha com crianças, pois o aborrecimento deles traduz-se em conversas laterais, olhares dispersos e num encolher de ombros alheio ao que se está a passar à volta. Claro que cada criança reage à sua maneira, mas quem trabalha com Filosofia para Crianças, tem de estar atenta a este factor, já que a criança é o principal protagonista do seu processo de aprendizagem, ele é o fim de toda a educação.
"O que verdadeiramente importa é a pessoa que aprende, e não tanto o que aprende. As matérias curriculares devem estar ao serviço do estudante e não vice-versa. Através destas matérias curriculares (entre outros factores importantíssimos) o estudante cresce, desenvolve as suas potencialidades, faz-se pessoa e é capaz de construir novos materiais curriculares adaptados à nova sociedade onde vive" (Calvo, J. M.).
 
Tendo em conta este factor iniciei a 3ª sessão aproveitando um assunto do interesse de todos, a história da cadela Lucky, que foi abandonada e andava perdida e doente pelas ruas e a professora recolheu-a, tratou dela e deu-lhe muito afecto. Hoje é uma cadela bonita e feliz que vive num lar acolhedor. Neste dia esta história foi o meu material curricular:
Pergunto: O que significa Lucky e eles explicam-me, significa ser sortuda. A Lucky anda sempre atrás da professora porque tem medo de a perder, a professora dá mimos, trata-a bem e dá-lhe comida.
 
Pergunto: O que é ter sorte?
Respostas:
"Dão-nos coisas que pedimos." G.
"Dão-nos coisas que não estamos à espera." B.
"Ganhar num jogo". C.
"Ganhar jogos é ter sorte" T. (o aluno faz uma ilação a partir do diálogo mantido)
"Temos de jogar e ganhar". G. (conclui o raciocínio)
"Temos de evitar que as coisas más aconteçam" B. (dá outra dimensão ao diálogo)
Pergunto: E como se faz isso?
"Fazendo com que não fiquemos de castigo" G.
Nisto um acontecimento imprevisível acontece na sala de aula, um aluno mata uma formiga que apareceu. Comentamos o azar da formiga:
"Ela mordeu-me e eu matei-a" G.
"Número 13 na terra das formigas" B.
Pergunto. "Porquê de ter azar?"
"Fizemos coisas de mal, batemos em alguém ou roubamos" B.
"Ficar sem dinheiro" R.
"Assaltar uma casa e roubar" - C.
"Ter acidentes"
"Há pessoas com mais azar o que outras"
Pedi se alguém podia explicar:
"Quem tem mais cuidado não tem tanto azar" C.
"Não se protegem dos ladrões"G
"Enganar-nos é ter azar" D
"Cair e ir para o Hospital"
Pergunto: "isso é ter azar ou falta de cuidado?" (esta pergunta não tem grande desenvolvimento)
"Não conhecemos as coisas que nos podem dar azar" D
Pergunto: Porque é que coisas más acontecem a pessoas boas?
"As pessoas más às vezes têm mais sorte do que as pessoas boas"D.
"As pessoas fazem a sua sorte"
"Uma vez um mano do pai fez um cavalinho na moto e morreu" L.
Pergunto: "Porque é que o tio da L. morreu?"
"Porque não teve cuidado" respondem vários
Fazem uma distinção entre o que é ter azar e não ter cuidado. Habilidade de raciocínio começa a ser evidente.